“Um recomeço para a agroecologia, a autossustentação em assentamentos e a produção de alimentos saudáveis.” Assim o organizador de três romarias ecumênicas de agroecologia, o assentado Marino Nogueira resumiu o objetivo da terceira edição no último domingo (8), em seu lote no assentamento Perseverantes da Luta, em Alto Alegre, 5º distrito de Canguçu.
Nogueira também destacou os objetivos da romaria, como defender a agroecologia, a terra e as águas, unir a fé e a vida, a produção de alimentação saudável, promover o resgate do movimento agroecológico na região e celebrar a luta pela preservação da natureza.
Segundo ele, a romaria tem um caráter de luta, pois, como afirmava o ambientalista Chico Mendes, “a agroecologia sem luta de classe é uma jardinagem”.

Nelson de Castilho, mais conhecido por Lelei, assentado no assentamento Salso, também reforçou a ideia de um recomeço da agroecologia. “Nós éramos acostumados a comer, a produzir e a comercializar alimentos orgânicos. Eu vejo hoje que a tendência desse movimento é só crescer, porque a demanda dos produtos orgânicos, a demanda da agroecologia nos assentamentos e até na própria agricultura familiar, está aumentando.”
O encontro foi marcado pela diversidade

A Romaria contou com a presença de assentados, dirigentes regionais do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e do Movimento das Pequenas e Pequenos Agricultores (MPA), quilombolas, agentes da Pastoral Negra e dirigentes do Sindicato das Trabalhadoras Domésticas de Pelotas e da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas. Também havia uma banca com produtos da cooperativa Terra Livre e produtos de assentados da região.

A vereadora de Canguçu Maica Tainara (PT), primeira mulher negra, quilombola, a ser eleita na cidade, ressaltou em suas redes sociais o momento de espiritualidade, partilha e afirmação do compromisso com a terra, com os modos de vida agroecológicos e com as comunidades que resistem e cultivam o bem viver. “Seguimos na luta por políticas públicas que valorizem a agricultura familiar, a reforma agrária, a agroecologia e a fé que nos move a transformar o mundo com justiça e esperança.”
A religiosidade estava representada por diversas visões, desde a evangélica, a católica, a luterana e de matriz africana, assim como pelo movimento Nación Pachamama que realizou uma oferenda à mãe terra no final da caminhada pela agrofloresta do seu Marino, ao som do violão do músico Zé Martins, do grupo Unamérica.
A romaria também foi toda registrada pelo Griô Digital da cultura e comunicador popular da Radicom Pelotas Glênio Rissio.
A história da luta pela terra e o papel do MST
A história da luta pela terra no Brasil também foi lembrada pelo integrante do setor de produção e dirigente regional do MST Marcos Santos de Morais. Ele rememorou desde 1500, mencionando a invasão portuguesa, o massacre de indígenas, a escravidão africana e a resistência de movimentos como quilombos, através de Zumbi dos Palmares, e de Canudos, de Antônio Conselheiro, e posteriormente sindicatos e igrejas católicas, que deram origem aos primeiros movimentos sociais do campo, como o MST. “A luta é longa e custou a vida de muitos companheiros.”
A diretora de formação do Sindicato das Trabalhadoras Domésticas de Pelotas e integrante da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad), Ernestina dos Santos Pereira, celebrou a luta pela preservação da natureza. “Essa romaria é uma demonstração de resistência. Aqui, nessa terra, tem história de quilombo. Antes do MST, antes do assentamento, antes do Marino, já existiram outros grupos que viveram aqui defendendo o seu jeito de ser e a natureza. E a luta continua por mais vida em abundância.”

Ernestina nasceu no Quilombo do Algodão, interior de Pelotas. “Eu sou remanescente de quilombo. Tenho família que ainda mora lá, irmãs, sobrinhos. E essa luta contra os venenos e por alimentação saudável a gente abraçou há muito tempo. O meu brinquedo foi um cabo de enxada.” Ela também reforçou a necessidade de valorizar quem produz. “O pequeno agricultor precisa ser respeitado, porque sem os pequenos os grandes não existem.”
Além de dirigente sindical, Ernestina está há mais de 40 anos na luta como agente de pastoral. “Hoje sou coordenadora estadual dos agentes pastorais negros. Quer dizer, formar agentes, não só negros como brancos, para defender a vida. E a vida a gente quer para todos. Vida em abundância, vida com respeito, vida com dignidade.”
O veneno está na mesa e causa doenças

O perigo dos agrotóxicos também foi salientado pelo frei Wilson Zanatta, do MPA e Instituto Cultural Padre Josimo. “A natureza foi generosamente dada à humanidade, com a única tarefa de cuidar dela. No entanto, em vez de preservar, a humanidade tem se envolvido na destruição, com a proliferação de venenos no ambiente e nos alimentos, que está diretamente associado à causa de todas as doenças.”
Segundo o frei, no Brasil hoje se espalha 13l de veneno por pessoa em média. “Faça a conta, são 215.220 milhões de pessoas x 13l de veneno. E esses 13l de veneno estão na comida, no ar e na água. Em Panambi descobriram 22 tipos de veneno que estão na água da cidade que estão tomando. Não existe mais água pura.”
Zanatta também falou sobre a alta taxa de autismo e suas causas. “Hoje o autismo está solto por aí e ninguém fala a causa. O autismo é provocado pelo glifosato que muitas famílias am na horta. Por isso a importância daquilo que estamos fazendo aqui, Marino, de a gente resgatar essa cultura da agroecologia para a gente não botar glifosato no prato da gente.”
Um espaço de resistência

A Romaria Ecumênica da Agroecologia foi realizada pela primeira vez em 2018 no assentamento do Remanso. A segunda aconteceu em 2022, após a pandemia da covid-19. “Existia uma latência dentro de mim, algo pulsando. Quando eu voltei a estudar, na escola Família Agrícola da região sul, comecei a ouvir sobre a agroecologia e entendi que precisava fazer algo com o propósito de resgatar e fortalecer o movimento agroecológico na região”, contou.
Segundo ele, a realização da primeira romaria em 2018 foi fruto de uma luta gestada em um acampamento na ponte de Rio Grande, demonstrando a ligação intrínseca entre a agroecologia e a luta social. “A gente conversou com o pessoal assentado da Remanso, porque até então outros espaços não se abriam. Foi em 2018, na troca de governo e a gente não sabia o que vinha.”
Nogueira está há 23 anos na luta, com “resistência resiliente”, como afirmou. Na sua visão, o evento ganhou importância justamente por seu caráter ecumênico, reunindo diferentes visões de espiritualidade e mundo, mas todas unidas pelo objetivo comum da agroecologia e da vida.
Ernestina também destacou o papel de Nogueira que “resiste em manter esta luta e que nós temos que apoiar, porque não é uma luta pessoal, é uma luta coletiva”.
