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Vidas negras

Artigo | Casos João Pedro, Floyd e Miguel expõem a urgência da luta antirracista

O que mais é necessário para compreender estas biografias anônimas que clamam por justiça no Brasil e no mundo? 

12.jun.2020 às 16h02
Rio de Janeiro (RJ)
Luciane Soares da Silva

Protesto racismo - Carl de Souza/ AFP

Tenho pesquisado casos de racismo há quase 20 anos. Na dissertação O cotidiano das relações inter-raciais: o processo de criminalização dos atos decorrentes de racismo e preconceito no Rio Grande do Sul, concluída em 2001, ei um banco de dados da Secretaria de Justiça com todas as ocorrências feitas nas delegacias do Estado e foi possível a construção de um levantamento com 521 ocorrências policiais registradas nas delegacias gaúchas.

O objetivo era analisar a tese de que estes insultos aconteciam em momentos nos quais ambas as partes estavam de “cabeça quente” sendo o insulto um ato impensado. Ao contrário do esperado, das mais de 500 ocorrências policiais, 119 casos ocorreram em espaços de vizinhança e 135 em locais de trabalho. Ou seja, entre pessoas que tinham alguma relação prévia.

Apresento alguns registros para que o leitor entenda como é feita uma ocorrência policial nestes casos: “O comunicante informa que foi ameaçado pela parte 'a' que prometeu lhe dar surra'"eu vou te dar um jeito, em ti. Dia 14 tem reunião do condomínio vou resolver tua vida'. O sindico reclamava do barulho que vinha do apartamento do comunicante, disse que era coisa de negro, fazer estardalhaço. 'Tu não é proprietário não tem direito de reclamar, negro'. Deseja representar contra o acusado" (BANCO DE DADOS DA SJS/RS, 1998). 

Casos como este são registrados aos milhares em delegacias brasileiras. Poucos deles conseguem sair da condição de ocorrência para transformarem-se em inquéritos mesmo quando todos os elementos estão reunidos (testemunhas, provas, advogados). É preciso construir o caso e muitas vezes expor-se em frente a juízes cujas falas evocam nossa convivência harmônica, sendo o conflito racial um problema em outros países, como nos Estados Unidos.

Ao fim da análise de cada um destes registros foi possível afirmar a existência de um padrão que envolvia:

1. reafirmação de relações de poder (casos envolvendo médicos e enfermeiras, professores e alunos, policiais e juízes, patroas e empregadas, proprietários e não proprietários);
2. desconfiança (suspeita de roubos injustificados, ofensas, não aceitação de cheques, abordagens por parte de seguranças e agentes do Estado);
3. alegação de incapacidade (para assumir funções, de aprendizado, de habilidades científicas para ocupação de cargos em instituições de ensino superior). 

Um dos relatos em uma Universidade de Caxias do Sul demonstram uma situação exemplar das formas de interação no cotidiano brasileiro:

“Comunica que por volta do dia 10/04/1999, por volta das 10 horas da manhã, ficou sabendo através de uma colega de curso de educação física, na universidade de Caxias do Sul, que o professor P. , chefe do departamento de educação física da Universidade, comentara com alguns alunos que a comunicante já estava reprovada, mesmo sem ter havido qualquer avaliação até então. O que de fato ocorreu. Diante dos fatos, a comunicante viu-se obrigada a repetir a matéria em que foi reprovada juntamente com mais duas matérias para somar os créditos. Informa que o acusado, por inúmeras ocasiões durante o ano de 1999, indicou em conversa com diversas pessoas e inclusive com a vítima a sua posição de restrição quanto à situação da raça e cor da vítima, culminando com ato discriminatório na formatura, quando a vítima foi a única a não receber de forma adequada a comenda entregue aos formandos, fato este constante de fita a ser entregue posteriormente a polícia. A vítima comunica que várias testemunhas acompanharam os fatos" (BANCO DE DADOS DA SJS/RS, 1998).

Esta dissertação apresentou a tipificação dos casos e concluiu que não se tratavam de situações isoladas, pelo contrário, as partes tinham interações prévias, outras pessoas estavam no local dos fatos e os insultos apresentavam um padrão de desqualificação, agressão verbal e ameaças (em alguns casos, físicas).

Não foi fácil concluir esta pesquisa uma vez que os operadores do direito, bibliotecários de tribunais e muitos dos pesquisados, negavam a existência de gravidade nas ocorrências apelando para crimes “mais graves” como homicídio e latrocínio como relevantes para o trabalho policial. Desde então, tenho replicado esta metodologia no Rio de Janeiro, encontrando resultados muito semelhantes. 

Além da necropolítica

Creio que quando vemos os casos de João Pedro, George Floyd e o caso Miguel devemos ir além da conclusão da ação de uma “necropolítica”. Seria importante tentar explicar aos brasileiros que são alvo destas políticas e aqueles que pretendem pesquisá-la, como chegamos até aqui e como seguimos operando com um cotidiano atravessado pelo racismo. Em parte das ocorrências registradas são feitos insultos afirmando que o lugar dos negros é na senzala para onde deveriam voltar. Em outros, toda os negros são condenados a partir de xingamentos como este:

“Informa que é vigilante e que um senhor, muito irritado saiu do depósito da empresa, com seu veiculo, ofendendo o comunicante chamando-o de negro filho da puta, negro podre e ainda disse: 'tua raça tem que morrer'. Proferiu estas palavras em altos brados, diante da testemunha citada (BANCO DE DADOS DA SJS/RS, 1999)”.

Foi extremamente difícil iniciar este texto uma vez que este é nosso tema de pesquisa no Núcleo Cidade Cultura e Conflito da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF), onde sou professora. Então, quando você fala sobre policiais, milícias, racismo, periferia e violência cotidianamente, como fugir do lugar fácil de um discurso que apenas reafirma o que já lemos, já sabemos e já comprovamos? O que é necessário para compreender estas biografias anônimas que clamam por justiça no Brasil? 

De que mortes estamos falando? Para qual África devemos voltar?

Há um tema muito interessante quando falamos da identidade brasileira. E este tema faz referência a uma ancestralidade. Um retorno à África de nossos anteados. É uma tentativa de movimentos, coletivos, intelectuais, de artistas do samba, do rap, enfim, todo um campo de produção simbólica engajado na  construção de pontes com o continente africano

Mas se fechamos os olhos, a África que milhões de brasileiros conhecem tem como imagens principais safaris, erotismo, alegria em meio a pobreza e precariedade. Estas foram as representações construídas pelo cinema ao longo do século XX. E antes disto, na literatura de fins do século XIX. Está nas formas como os documentários nos foram apresentados e todo o produto cultural que foge a este escopo é ado por muito poucos. A história da África é ao fim, desconhecida.

As discussões sobre África feitas por boa parte da população brasileira não chegam sequer ao número de países do continente. Porque a lei que deveria garantir este estudo nas escolas foi desde sua promulgação rejeitada e eivada de preconceitos.  

O que sangra o coração dos brasileiros neste momento é a figura de uma criança em queda livre por um ato cruel e desumano.

O que sangra o coração de milhões de pessoas é a imagem concreta de um homem branco com o joelho sobre a cabeça de um homem negro. O que nos comove na morte de João Pedro é saber que este menino estava cumprindo o isolamento social. E desta vez, ao menos desta vez, a polícia não conseguiu associar sua imagem ao tráfico de drogas, como no caso Eduardo, morto aos 10 anos com um celular na mão.

Mas antes de chegarmos a este ponto, todo o sistema de justiça foi baseado em racismo. E a crença darwinista do mais apto ainda opera nas universidades a considerar que a seleção para entrada nos quadros docentes permanece a mesma desde suas fundações tardias no Brasil. Como interpretar o fato de que nos quadros da USP, UFRJ, UFMG ou UFRGS não temos nem 10% de professores – e o índice despenca se acrescentarmos gênero na contagem – negros e negras ocupando estes espaços mesmo com leis de ação afirmativa para ingresso no serviço público?

No entanto, parte das representações sobre os negros no Brasil, seguiu por mais de um século associando incapacidade para o mundo do trabalho, afeição pelo samba, capoeira e artes de manipulação, sensualidade e embriaguez.

As representações sobrevivem aos fatos, contestam a ciência e descartam a realidade observada nas ruas, lavouras, fábricas, espaços de trabalho doméstico e serviços públicos. Ou seja, a história de famílias negras operárias em São Paulo nunca foi contada nas novelas como a dos imigrantes italianos. A história das sociedades negras religiosas de Minas Gerais, nunca ocupou o espaço dos discursos oficiais sobre a fé. Os assentamentos de Campos dos Goytacazes não são apresentados como quilombos. E a saga das milhares de alfabetizadoras nordestinas sempre é contada pela ótica da exceção e não da ação coletiva de um povo. Nesta toada também se desconhecem os Malês e Palmares. Esta operação cultural facilita a aceitação de uma massa carcerária negra, as mortes pela polícia e os lugares socialmente rebaixados destinados historicamente a este grupo. 

::"Nos arriscamos porque o Estado é ausente", diz morador de favela sobre protestos::

As manifestações antirracistas são fundamentais para a alteração das sensibilidades. São cruciais para marcar uma guinada civilizatória nas formas globais como o racismo é praticado contra minorias. Mas sabemos como operam estes dois sistemas de justiça. O estadunidense e o brasileiro. Da mesma forma, as produções culturais têm tratado do tema a considerar as formas estereotipadas de representar o negro no cinema de Hollywood.

Não há como fazer um retorno à África por este caminho. Negamos a escravidão mesmo quando aceitamos sua existência. É um tema em suspenso, um tema tabu, desagradável, divisionista, deixado para os sociólogos e intelectuais “de esquerda”. Depois, esperamos recuperar uma estética futurista que nos livre das implicações geopolíticas (mortes, epidemias, falta de saneamento). Ou seja, aceitamos como biológico o que é cultural, já dizia Apiah ao problematizar o conceito de raça. 

Mantemos os grupos – os favelados, as empregadas domésticas, os assentados – em caixas fechadas. Assim não há dilema entre os negros genéricos (os que morrem em Acari ou em Recife) e os negros do coração (os que estão em nossas famílias e servem como função de alívio ante uma possível explosão a la Spike Lee). 

Mantemos o caldeirão aceso e fervendo entre armas, choro de velas, contratações hospitalares e camburões de condução ilegal. O Estado proíbe o baile funk mas permite a morte de João Pedro e mais 13 no Complexo do Alemão. Todos os dias. O Estado encarcera os negros mas liberta Sari Corte Real sob a módica quantia de vinte mil reais. Este Estado não nos interessa. Para nós o dolo é evidente, coletivo e inegociável. 

*Professora do Departamento de Sociologia da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF) e vice-presidente da Associação dos Docentes da Universidade Estadual do Norte Fluminense (ADUENF).

Editado por: Mariana Pitasse
Tags: brasil de fatonegroracismo
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