A escritora e ativista de direitos humanos Amelinha Teles defendeu a responsabilização de militares de alta patente que tentaram dar um golpe de Estado para manter o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no poder. Convidada desta sexta-feira (30) do BdF Entrevista, da Rádio Brasil de Fato, ela, que foi vítima da ditadura militar (1964-1985) no Brasil, afirmou que ver generais virando réus é algo inédito na história do país e representa um avanço democrático.
“É um avanço, é respeitar o Estado Democrático de Direito. Esses militares, Bolsonaro e outros, que agora são réus, tentaram dar um golpe de Estado usando inclusive seu próprio poder dentro do Estado. Eu entendo que é um tipo de golpe praticado por parte do Estado contra o Estado Democrático, uma violação dos direitos humanos”, afirma Teles.
Para ela, ao contrário do que aconteceu no período da ditadura, quando crimes foram encobertos e não houve justiça, hoje há provas contundentes e um processo legal em curso. “Esses crimes merecem o tratamento que vem sendo dado. […] Agora eles estão sendo submetidos a essa democracia, leis, instituições para apurar os crimes que eles cometeram. E todo mundo está vendo. Há muitas provas contundentes. Isso é diferente: a ditadura militar escondeu muitos crimes de lesa humanidade.”
A ativista relembrou que a impunidade dos crimes cometidos por agentes da ditadura resultou em um país sem memória e com uma transição frágil. “O Brasil tem uma tradição de apagar a história, de silenciar sobre os diversos crimes de Estado. […] Quando não se coloca a história no seu devido contexto, de trazer a verdade e a memória, não tem como virar a página. Mas depois ela cobra, a história é implacável.”
O Supremo Tribunal Federal (STF) tornou réus 31 dos 34 denunciados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) de tentativa de golpe. Entre eles, estão Bolsonaro, o general Braga Netto e militares de alta patente, que vão responder pelos crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça e deterioração de patrimônio tombado.
O elo entre ditadura e bolsonarismo
Amelinha Teles foi presa com seus dois filhos pequenos e sua irmã, grávida na época. Todos foram levados ao DOI-Codi, onde ela e a irmã foram torturadas. “Meus filhos tinham cinco e quatro anos. Meu sobrinho foi torturado antes de nascer. O [coronel Carlos Alberto Brilhante] Ustra foi o primeiro a me dar um soco na cara, me jogou no chão”, relembra.
Ustra foi declarado torturador pela Justiça brasileira em três instâncias. Segundo a Comissão Nacional da Verdade, ele é responsável por 45 assassinatos. “Não são mortes naturais, ali se matava sob tortura”, destaca. Quando ainda era deputado, Bolsonaro homenageou o militar ao declarar seu voto no processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, que foi torturada por Ustra. “Ele usava Ustra como uma espécie de ídolo”, critica Teles.
Para ela, Bolsonaro representa a continuidade da ala mais autoritária das Forças Armadas, reabilitada durante seu governo. “O [ex-ministro do governo Bolsonaro,] general Heleno, que agora é réu, atuava ao lado do [ex-ministro do governo Ernesto Geisel] Silvio Frota, considerado perigoso, ala dura pelos próprios militares”, afirma. Segundo a ativista, esse grupo se beneficiou de uma transição pactuada que ignorou as vítimas da ditadura.
Teles é cunhada de André Grabois, militante desaparecido na Guerrilha do Araguaia. Na entrevista, ela relatou como os combatentes foram capturados e mortos em condições brutais durante a repressão militar. “Foram presos desarmados, desnutridos, sem condições de se defender. […] Curió falou que capturou 41 guerreiros, entre homens e mulheres, e todos foram executados. Entre eles, o meu cunhado.”
O major Sebastião Curió, um dos responsáveis pela repressão à Guerrilha do Araguaia, foi denunciado por tortura e, em 2020, chegou a ser recebido por Bolsonaro no Palácio do Planalto. Morreu dois anos depois, aos 87 anos.
Militante do Partido Comunista do Brasil à época, Amelinha denuncia os abusos do regime no livro Contos da Cela 3: Memórias de uma presa política na ditadura, lançado em 2024. Na entrevista, ela também falou sobre o governo Lula (PT) e a esperança de um futuro com mais justiça, memória e direitos garantidos.
Para ouvir e assistir
O BdF Entrevista vai ao ar de segunda a sexta-feira, sempre às 21h, na Rádio Brasil de Fato, 98.9 FM na Grande São Paulo. No YouTube do Brasil de Fato o programa é veiculado às 19h.