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O Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos (MTD) é uma organização popular nacional que constrói a luta nas periferias das cidades g...

MTD: um instrumento necessário até que nossas periferias conquistem um projeto popular pleno

Com um governo de extrema direita, a esquerda brasileira precisou se reinventar e não foi diferente no nosso caso

A crise econômica do final da década de 1990 no Brasil foi um período marcado por instabilidade financeira, desvalorização cambial e ajustes fiscais, com impactos significativos no Rio Grande do Sul. As consequências da crise econômica do final desta década foram duras para os trabalhadores e trabalhadoras, afetando empregos, salários e condições de vida. No nível nacional, a taxa de desemprego aberto (medida pelo IBGE) subiu de 6% em 1997 para 9% em 1999, com picos em regiões industriais.  

O estado, que já enfrentava a desindustrialização, viu setores como metalurgia, calçados e agroindústria reduzirem postos de trabalho. Cidades como Porto Alegre, Caxias do Sul e Novo Hamburgo foram fortemente impactadas. Todo dia noticiava-se fechamento de fábricas. Empresas que dependiam de crédito ou importações (como componentes industriais) demitiram em massa ou faliram – no período de 1998 a 99. Então, registrava-se na Região Metropolitana de Porto Alegre 241,5 mil pessoas desempregadas.  

Trabalhadoras e trabalhadores enfrentaram a perda do poder de compra, inflação acelerada e a desvalorização do Real (1999), os preços de produtos importados e básicos (como combustíveis e alimentos) subiram, corroendo salários. Além disso, cresceu a precariedade no mercado de trabalho, com aumento do trabalho informal. Muitos trabalhadores demitidos migraram para o comércio ambulante, subempregos ou “bicos”.  

Dados do IBGE mostram que a informalidade chegou a 50% da força de trabalho em algumas regiões metropolitanas no final dos anos 1990.  Além da rotatividade e terceirização, as empresas adotaram contratos temporários para reduzir custos, fragilizando direitos trabalhistas.

É neste contexto, com lideranças que sofriam na pele as consequências da crise, que surgia o então Movimento dos Trabalhadores Desempregados (MTD), com marco inicial no dia 22 de maio de 2000. Mais de 200 famílias, principalmente da Região Metropolitana, ocupam uma área próximo à grande empresa General Motors (GM), no Município de Gravataí. 

Essa empresa receberá do governo estadual, a título de “investimento em infraestrutura”, a doação de um terreno de 4,8 milhões de metros quadrados. O estado custeou obras de vias de o, energia, água e saneamento no entorno da fábrica da GM, bem como a construção do Complexo Industrial Automotivo de Gravataí, com participação pública. Foi por esse motivo que o MTD escolheu o local para ocupar, erguendo uma “cidade de lona preta”, contestando o quanto o poder público investia em empresas privadas com pouquíssimo retorno para os trabalhadores, que careciam de políticas públicas para responder ao desemprego.

Nosso movimento se justificava, então, por uma necessidade para a organização do povo das periferias, considerando que aquela crise deixara um legado de desemprego, precarização e redução da proteção social para trabalhadores brasileiros. Esses problemas contribuíram para mudanças permanentes no mercado de trabalho, como a flexibilização das relações empregatícias nos anos 2000.  

Assim, o MTD nasce propondo bandeiras como: assentamentos rururbanos, concessão de área com condições dignas de moradia, com condições de produzir para subsistência e vender o excedente; Frentes Emergenciais de Trabalho, com (re)qualificação e formação com princípios do trabalho cooperado e renda complementar. 

Com uma pauta que logo se ampliou para a luta por moradia digna, entre 2003 e 2005, ainda no primeiro governo Lula, foram realizadas novas ocupações nos estados da Bahia, Distrito Federal e São Paulo. O movimento construiu, então, uma primeira década de crescimento, chegando também entre 2007 e 2009 aos estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro.

Anos depois, a partir de 2012, ainda nesse período de crescimento econômico, elevação da renda do trabalho e fortalecimento do Estado Social brasileiro, o movimento revisitou sua estratégia e travou importantes debates que culminaram na realização do Seminário Nacional de refundação do MTD, entre 17 e 20 de abril de 2015, com um novo nome, uma nova simbologia, uma nova estratégia: renascemos como Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos.

Após o golpe de 2016 e a ascensão da extrema direita, assim como muitas organizações populares, avaliamos o período histórico, refletimos sobre nossos desafios e produzimos, entre 2018 e 2020, um novo ciclo de elaboração. Essa construção se materializou numa política de solidariedade, desenvolvida em diálogo com movimentos irmãos na luta por um projeto popular, que foi implementada antes, durante e após a pandemia de Covid-19, multiplicando cuidados em nossos territórios por meio de cozinhas e agentes populares, resistindo em unidade com os movimentos urbanos articulados na campanha Despejo Zero.

Com um governo de extrema direita, a esquerda brasileira precisou se reinventar e não foi diferente no nosso caso. Avançamos em alguns lugares, retrocedemos em outros, mas sempre reafirmando a importância histórica da nossa organização: organizar o povo das periferias urbanas deste país para a luta por direitos. Nesse período, chegamos aos estados de Alagoas, Amazonas, Goiás, Paraná, Pernambuco e Rondônia, totalizando 14 estados das cinco regiões brasileiras, levantando a bandeira da reforma urbana com justiça socioambiental para nossos territórios.

Nesta última década, sempre no mês de maio, ocupamos as ruas de todo o Brasil em uma jornada de lutas, a fim de reivindicar mais direitos para nossas periferias. Neste mês dos trabalhadores, denunciamos a sanha do mercado, reivindicando casa, comida e trabalho, mas também queremos transporte, cultura, saúde e educação. 

Queremos viver numa cidade que respeite as mulheres, negros e negras, população LGBT. Queremos romper o atual ciclo de exclusão e violência que teima em assombrar o nosso povo. O MTD completa 25 anos e segue necessário enquanto não conquistarmos um projeto popular pleno para o Brasil.

Direito de trabalhar, trabalhar com direitos!

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