Durante uma atividade de mulheres do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), em Brasília, a ministra do Meio Ambiente (MMA), Marina Silva, voltou a criticar o projeto de lei 2159/2021, que ficou conhecido como o “PL da Devastação”. O texto, que flexibiliza e fragiliza os processos de licenciamento ambiental, foi aprovado pelo Senado Federal no dia 21 de maio e seguiu para a Câmara dos Deputados, onde ainda precisa ser analisado e deliberado.
“Imagine se não tivesse licenciamento para poder frear determinada situação de destruição de comunidades, cidades, espaços, territórios de muitas por esse Brasil”, disse a ministra, que questionou aspectos do projeto aprovado no Senado, como a Licença por Adesão e Compromisso (LAC), uma espécie de autolicenciamento antes permitido apenas para obras de baixo impacto.
Marina Silva ainda criticou o enfoque desenvolvimentista descolado do debate ambiental, muitas vezes utilizado como argumento dos parlamentares que apoiaram a aprovação da medida. “Existem projetos que de fato são estratégicos. Levar a água do São Francisco para onde não havia água era um projeto estratégico. Mas quem foi que disse que o fato de ser estratégico para nós muda a lei da natureza? A lei da natureza não muda porque eu preciso de água para beber, ainda que seja legítimo e justo ter água para beber”, declarou a ministra. “O homem legisla, mas a natureza não assimila”, completou.
Após a atividade, a ministra conversou com jornalistas. Questionada pelo Brasil de Fato sobre os compromissos assumidos pelo presidente da Câmara, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), sobre a tramitação do projeto na Casa, a ministra afirmou que ele se comprometeu a ouvir todos os líderes dos partidos para, só assim, tomar posição. De toda forma, Silva defendeu que o debate não se restrinja ao parlamento.
“A sociedade brasileira está se posicionando, dizendo muito claramente que é preciso um tempo para debater esse PL, que a sociedade batizou de PL da Destruição. E que a gente tenha no licenciamento e na lei que o sustenta os esforços da preservação, do uso sustentável, da restauração, como é a lógica do licenciamento”, disse a ministra.
“A gente é eleito para representar, não para substituir a sociedade. E a sociedade está dizendo para os seus representantes que é preciso um tempo para debater, que a gente já está vivendo sobre os efeitos da mudança do clima, que as pessoas já estão perdendo suas vidas, suas casas, suas lavouras, seus empreendimentos em função dos extremos climáticos. Se não houver essa reparação, isso só vai se agravar. Mais incêndio, mais enchente, mais devastação.”
Silva afirmou ainda que considera positivas as iniciativas para aperfeiçoar os processos de licenciamento, o que não significa afrouxar as regras.
“O licenciamento pode ser aperfeiçoado, claro, para que a gente ganhe mais agilidade, mas agilidade não significa flexibilizar regramentos, não significa perda de qualidade. Os empreendimentos têm que ar por todas as fases do licenciamento para que a gente evite os problemas como nós já tivemos em vários empreendimentos ados”, afirmou a ministra, citando os casos de rompimentos de barragens em Mariana e Brumadinho, ambas cidades de Minas Gerais, como exemplos.
BR-319
No bojo da crítica ao desenvolvimentismo insensível às questões ambientais, Marina Silva falou sobre os efeitos da abertura de uma “estrada no coração da floresta”, sem citar o projeto de pavimentação da BR-319, foco das críticas do senador Omar Aziz (PSD-AM), que deram início a uma sucessão de ataques misóginos contra a ministra na Comissão de Infraestrutura do Senado Federal, na semana ada.
“Como é que fica quando a gente faz uma estrada no coração da floresta que fica 50 quilômetros de um lado, 50 quilômetros do outro? É devastado se não tiver governança ambiental, se não tiver os cuidados necessários, aumenta os incêndios, aumenta as queimadas, aumenta a exploração regular de madeira, aumenta a violência quanto povos tradicionais e comunidades indígenas, e aumenta, inclusive, as atividades ilícitas do crime organizado”, declarou.
O projeto de pavimentação da BR-319 a por 13 municípios, 28 unidades de conservação e 69 comunidades indígenas, sendo uma delas uma comunidade isolada.