O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma nesta quarta-feira (4) o julgamento sobre a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet, que trata da responsabilidade das plataformas digitais por conteúdos publicados por terceiros. Para a advogada Flávia Lefèvre, especialista em telecomunicações, o tema é central para o futuro da liberdade de expressão no Brasil.
“Eu espero, e as entidades que trabalham e defendem direitos digitais, que a constitucionalidade do artigo 19 seja reconhecida porque ele é um importantíssimo instrumento de garantia da liberdade de expressão na internet”, defende Lefèvre. Em entrevista ao programa Conexão BdF, da Rádio Brasil de Fato, ela explicou que o artigo 19 “trata apenas de uma das hipóteses de responsabilidade das plataformas”, estabelecendo que elas só podem ser responsabilizadas por conteúdos de terceiros se, após uma ordem judicial, resistirem à remoção.
De acordo com a advogada, há uma tentativa das big techs de criar uma narrativa de que o artigo 19 só as obriga a remover conteúdos com ordem judicial. “Na realidade não é bem assim”, pontua. Ela lembra que o artigo 3º do Marco Civil já determina que empresas que operam no país “são responsáveis como qualquer outra a se submeter à legislação brasileira”.
O julgamento no STF está dividido. Já votaram os ministros Dias Toffoli, Luiz Fux e Luís Roberto Barroso, com posições distintas sobre a constitucionalidade do artigo. Faltam ainda os votos de oito ministros, entre eles André Mendonça, que pediu vistas.
Big techs no Brasil e a regulação engavetada
Outro ponto abordado na entrevista foi a ausência de representantes legais de algumas plataformas no Brasil, o que já gerou crises com o Telegram e a suspensão temporária do X (ex-Twitter). A advogada lembra que essa obrigação já está prevista na Constituição, no Marco Civil da Internet e no Código de Defesa do Consumidor. “Como poderíamos garantir que uma empresa cumpra e se submeta à legislação, ao Poder Judiciário desse país, se ela não tem uma porta onde possa receber uma intimação judicial?”, questiona.
Ela também lamenta o arquivamento do PL das Fake News, após forte lobby de empresas de tecnologia com apoio de setores da extrema direita. “Esse discurso de que a internet é uma terra sem lei é um discurso que interessa às redes. Mas é uma ideia estapafúrdia imaginar que existe um grupo de empresas que estaria podendo atuar no país à margem da legislação brasileira. É o auge da desinformação”, critica.
Flávia alertou ainda para a atuação política dessas empresas em escala global, destacando o apoio ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e a resistência à regulação em países da União Europeia. “Estamos brigando nada mais, nada menos que com os plutocratas mais poderosos do planeta hoje.”
Risco de insegurança jurídica
Com o Congresso travado e o julgamento em curso, ela reconhece o risco de insegurança jurídica sobre as regras nas redes sociais, mas reforça que órgãos do Executivo e do Judiciário têm mecanismos para enfrentar as ilegalidades. “A resistência e a atuação das redes sociais para inibir um aspecto da nossa soberania, que é a possibilidade de atuação legislativa dentro do Congresso Nacional, é absolutamente inissível.”
A especialista também criticou a influência das plataformas nos processos eleitorais, lembrando as eleições de 2018 e 2022. “A extrema direita domina muito bem toda essa arquitetura de comunicação contra as garantias democráticas e as instituições democráticas que a gente tem no país.”
Para ouvir e assistir
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