“Quando defendemos o direito à comida, à moradia, à educação e à vida, estamos afirmando que todas as pessoas, independentemente da cor da pele, do gênero ou da origem, merecem existir com plenitude. Lutar contra a fome, contra o racismo e contra o apagamento de mulheres negras na política é lutar por justiça. E justiça não pode ter fronteiras”, afirma a deputada estadual Laura Sito (PT), que recentemente propôs um manifesto global contra o uso da fome como arma de guerra.
O documento, que denuncia a crise humanitária em Gaza e clama por ação internacional urgente, foi aprovado por parlamentares de diversos países, durante o encontro Interparlamentar da Frente Parlamentar contra a Fome e a Desnutrição, promovido pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO/ONU).
Sito foi uma das primeiras parlamentares a se posicionar contra o genocídio na Palestina e tem sido atacada por isso, com comentários racistas e misóginos nas redes sociais. O episódio recente aconteceu após o vereador de Porto Alegre Ramiro Rosário e do deputado estadual Felipe Camozzato, ambos do partido Novo, postarem vídeos citando o nome da parlamentar. A deputada registrou Boletim de Ocorrência na Delegacia de Polícia Online da Diversidade RS.

O Brasil de Fato RS conversou com a deputada sobre esses episódios recentes. “O silêncio diante do ódio também é uma forma de consentimento, e nós não vamos compactuar com isso. Ao mesmo tempo, é fundamental reconhecer o papel das redes de solidariedade e da mobilização social nesse enfrentamento. O apoio que tenho recebido de colegas parlamentares, movimentos, coletivos e da sociedade civil tem sido essencial para transformar indignação em ação coletiva. Não estamos sozinhas e não seremos caladas.”
Brasil de Fato RS: Para começar, gostaria que nos falasse da motivação para elaboração do documento.
Laura Sito: A motivação para elaborar esse documento nasce do nosso compromisso inegociável com a dignidade humana e com o direito à alimentação como um direito fundamental. Diante da catástrofe humanitária em curso na Faixa de Gaza, onde a fome tem sido utilizada deliberadamente como arma de guerra, não podíamos nos calar.
É inissível que, em pleno século 21, crianças estejam morrendo por falta de comida e água, enquanto a comunidade internacional assiste paralisada. A proposta do documento surgiu da necessidade urgente de um posicionamento claro, contundente e internacional contra essa prática, que é uma violação grave dos direitos humanos e do direito internacional humanitário.
Tu estiveste recentemente no encontro Interparlamentar da Frente Parlamentar contra a Fome e a Desnutrição, promovido pela FAO/ONU. Como foi a viagem, resoluções, encaminhamentos?
Foi uma experiência de muitas trocas, aprendizagens e de construção de uma agenda comum. O encontro reuniu parlamentares de diversas partes do mundo que estão na linha de frente do combate à fome e à insegurança alimentar. Além da aprovação deste documento condenando o uso da fome como arma de guerra, que propusemos e que foi acolhida por unanimidade, avançamos no fortalecimento das frentes parlamentares nacionais e regionais, com vistas a pressionar governos e organismos multilaterais a agirem com mais efetividade.
A transição agroecológica e a cooperação internacional solidária são caminhos apontados com cada vez mais firmeza
Ainda, durante o evento, foi lançado o Guia Prático para Incorporar a Perspectiva de Gênero no Trabalho Legislativo para Erradicar a Fome e a Má Nutrição, um documento que oferece ferramentas concretas para que os legisladores promovam ações de combate à fome. Além dos debates, apresentei como experiência aos outros países os nossos projetos: a Política de Agricultura Urbana e Periurbana Sustentável, o Programa Municipal Aquisição de Alimentos, o Estatuto da Obesidade e a indicação da criação de um Fundo de Segurança Alimentar e Nutricional.

Como a FAO está pensando o futuro da soberania alimentar frente às guerras e mudanças climáticas?
A FAO tem deixado claro que a soberania alimentar precisa ser compreendida como um eixo estratégico de paz e justiça global. Isso a por fortalecer a agricultura familiar, garantir o à terra e aos recursos naturais e proteger comunidades tradicionais e camponesas, que são as mais afetadas tanto por conflitos armados quanto pelos efeitos da crise climática.
Há um reconhecimento crescente de que os sistemas alimentares não podem estar subordinados a interesses de guerra ou à lógica do lucro de grandes corporações. A transição agroecológica e a cooperação internacional solidária são caminhos apontados com cada vez mais firmeza.
Tu foste uma das primeiras parlamentares a se posicionar contra o genocídio na Palestina e foi muito atacada por isso. O que está por trás desses ataques?
Os ataques que sofri são parte de uma estratégia de intimidação e silenciamento. Infelizmente, vivemos um tempo em que defender os direitos humanos virou algo que incomoda muita gente. Mas não vamos recuar. Os ataques que recebi vêm de setores que querem naturalizar o massacre em Gaza e deslegitimar qualquer denúncia que exponha a gravidade do que está acontecendo. É nosso dever romper com essa narrativa.
Nós registramos um Boletim de Ocorrência na Delegacia de Polícia Online da Diversidade RS, principalmente pelos comentários de cunho racista. Porque quando os ataques ultraam os limites do debate democrático e assumem a forma de violência, ameaças ou tentativas de deslegitimar minha atuação parlamentar por motivos racistas e misóginos, é nosso dever recorrer aos instrumentos legais disponíveis.
Os ataques que recebi vêm de setores que querem naturalizar o massacre em Gaza e deslegitimar qualquer denúncia que exponha a gravidade do que está acontecendo
O silêncio diante do ódio também é uma forma de consentimento, e nós não vamos compactuar com isso. Ao mesmo tempo, é fundamental reconhecer o papel das redes de solidariedade e da mobilização social nesse enfrentamento. O apoio que tenho recebido de colegas parlamentares, movimentos, coletivos e da sociedade civil tem sido essencial para transformar indignação em ação coletiva. Não estamos sozinhas e não seremos caladas.
Algo a mais que queiras acrescentar?
Quero reafirmar que nossa luta é, acima de tudo, por dignidade. Quando defendemos o direito à comida, à moradia, à educação e à vida, estamos afirmando que todas as pessoas – independentemente da cor da pele, do gênero ou da origem – merecem existir com plenitude. Lutar contra a fome, contra o racismo e contra o apagamento de mulheres negras na política é lutar por justiça. E justiça não pode ter fronteiras.
Por isso, também expressamos nossa solidariedade ao povo palestino, que enfrenta há décadas a negação sistemática de seus direitos mais básicos. Apoiar a Palestina é reafirmar o valor da vida e da liberdade para todos os povos. Não há justiça enquanto houver apartheid, ocupação e massacre.
O Brasil tem uma história marcada tanto pela desigualdade quanto por gestos concretos de solidariedade internacional. É essa herança de compromisso com os povos oprimidos que nos guia. Seguiremos em diálogo com outras vozes do Sul Global, porque acreditamos que os direitos humanos não são concessões, mas conquistas que devem ser defendidas em todos os territórios.
