O plano de instalação de um aterro sanitário na zona rural de Viamão (RS) voltou a ser contestado com firmeza pela comunidade Mbya Guarani da aldeia Cantagalo (Tekoá Jataity) e Cantagalo 2 (Tekoá Kaguymiri). Durante uma visita, na manhã desta quinta-feira (20), da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e da empresa interessada no empreendimento, Empresa Brasileira de Meio Ambiente (Ebma), indígenas e apoiadores manifestaram total oposição ao projeto. Também denunciaram o desrespeito ao direito de consulta prévia garantido pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

“Está tudo errado desde o início, não teve consulta e agora eles querem fazer, mas já está tudo pronto. Era meio que um golpe”, criticou o jovem cacique Cláudio Vherá, de 28 anos. “Já está tudo atropelado, já está no final e agora que querem fazer consulta?”, questionou.
O vice-presidente do Comitê de Gerenciamento da Bacia do Rio Gravataí, Cláudio Fioreze, também professor do Instituto Federal do Rio Grande do Sul do campus Viamão (IFRS), presente na visita, criticou o que chamou de uma falsa consulta prévia, livre e informada. “Na verdade, não foi exatamente isso que aconteceu, porque muita informação não foi previamente disponibilizada, especialmente sobre os conflitos ambientais e sociais e as alternativas locacionais pensadas para esse mega aterro sanitário”, afirmou. Segundo ele, ao não cumprir os condicionantes ambientais e sociais, o projeto deixa de ser um aterro sanitário para se tornar um lixão.

A mobilização foi visível logo na chegada das comitivas. “Tava cheio de cartazes, feito pelas crianças, pelos adolescentes, pela escola da comunidade indígena, falando sobre a importância da natureza e dizendo não ao lixão. Já tinha todo um ambiente construído contra essa proposta”, relatou Iliete Citadin, do movimento Não ao Lixão.
Mesmo com o posicionamento claro da comunidade, o processo de licenciamento segue tramitando nos órgãos ambientais. A promotoria do Ministério Público Federal (MPF) entrou com uma ação civil pública pedindo a suspensão imediata do licenciamento, mas a liminar ainda não foi deferida.
“O mais grave é que a Funai continua acompanhando o rito como se fosse apenas um protocolo burocrático, mesmo sabendo que os indígenas disseram não em todos os momentos”, criticou Citadin. “A presença da empresa Ebma dentro da comunidade é extremamente incômoda, invasiva e desrespeitosa.”
Segundo Citadin, além da empresa Ebma, que contratou a consultoria responsável pelos estudos ambientais, chamou atenção a ausência da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) na visita. A fundação é responsável por avaliar os pedidos de licenciamento ambiental no estado e não estava presente na comitiva.
Ao final da visita, os representantes do povo Mbya Guarani reafirmaram que são contrários a todo o processo de licenciamento ambiental, incluindo a simples apresentação do plano de trabalho. O presidente do Conselho de Direitos Humanos do Rio Grande do Sul (CEDH), Júlio Alt, acompanhou a atividade e destacou que a empresa ouviu aquilo que os indígenas vêm dizendo há mais de cinco anos: “Eles não desejam o lixão naquela região”. Segundo Alt, a comunidade indígena tem uma visão de cuidado e preservação da natureza e “não conseguem conceber a ideia de um aterro sanitário em uma região tão bonita como a que está sendo proposta para a instalação”.

Ele também chamou atenção para a ausência de estudos sobre alternativas locacionais e para o fato de que a área escolhida abriga nascentes de água. “É uma área que necessita de maior cuidado do poder público devido à riqueza natural presente – e não o contrário”, afirmou. Para ele, a reunião deixou evidente mais uma vez a posição da comunidade: “Creio que os indígenas responderam mais uma vez a este processo de licenciamento, com a presença da Funai, de que eles não querem a instalação de um lixão naquele local”.
Fioreze lembrou que, segundo estudos técnicos já existentes, as alternativas locacionais propostas pela empresa se situam em Área de Preservação Permanente (APP) e dentro do limite hidrológico da Bacia Hidrográfica do Gravataí, que integra a unidade de conservação ambiental da APA do Banhado Grande. “É absolutamente ilegal nesse aspecto também, porque a legislação impede a construção de empreendimentos de grande porte e alto potencial poluidor dentro de unidades de conservação”, denunciou.
Além disso, citou um estudo do Instituto de Geociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), coordenado pela professora Maria Luiza da Rosa, que aponta risco hidrogeológico na região. Segundo ele, há fissuras geológicas que podem permitir a infiltração de chorume com elementos tóxicos, contaminando os lençóis freáticos e aquíferos de Viamão. Fioreze ainda manifestou preocupação com o uso indiscriminado das águas subterrâneas, criticando a estratégia recente da Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan)/Aegea de perfurar poços artesianos sem estudos aprofundados. “As águas subterrâneas são nobres, estratégicas, e deveriam ser utilizadas somente em último caso – o que não é a situação de Viamão, um município abundante em recursos hídricos”, afirmou.
A expectativa agora é que a comunidade reformule e complemente o relatório oficial da visita, no seu próprio tempo. “Não há prazo. É o tempo dos guarani. Eles vão incluir todas as falas que foram feitas e que não estão contempladas”, completou Citadin.
A visita contou com uma ampla participação popular, com mais de 100 pessoas, entre lideranças indígenas, professores da escola indígena, representantes da Funai, da Defensoria Pública do Estado, do Conselho Estadual de Direitos Humanos, do Conselho Indigenista Missionário, da Ufrgs, do Instituto Federal do Rio Grande do Sul, do projeto Eco Viamão e do movimento Não ao Lixão. Também foram realizadas apresentações culturais da comunidade Mbya Guarani e os pronunciamentos firmes contra o projeto, incluindo os de lideranças como o cacique Cláudio Vherá, Mirim Jimenez, aluno do IF Campus Viamão, o ex-cacique Jaime e representantes da Articulação dos Povos Indígenas.
A reportagem procurou a Funai e a Empresa Brasileira de Meio Ambiente (Ebma) e aguarda posicionamentos sobre o caso.
