A Defensoria Pública da União (DPU) ajuizou, nesta sexta (1), ação civil pública contra o Conselho Federal de Medicina pedindo indenização por danos morais coletivos de, no mínimo, R$ 60 milhões. O documento alega que o CFM contribuiu com as mortes causadas pela covid-19 ao referendar o uso de cloroquina e hidroxicloroquina, drogas que são cientificamente comprovadas como ineficazes para o tratamento da doença.
A ação também pede, em caráter liminar e urgente, que o CFM "oriente ostensivamente a comunidade médica e a população em geral" sobre a ineficácia desses dois medicamentos no tratamento da doença e ressalte a "possibilidade de infração ética dos profissionais que vierem a prescrever tal tratamento".
Também pede a suspensão imediata da eficácia do Parecer número 4/2020, de 23 de maio de 2020, no qual o conselho recomenda o uso desses medicamentos, garantindo aos profissionais que os receitarem que não serão punidos por isso. O parecer segue ativo. Vale ressaltar que antes da publicação do documento, o Conselho Nacional de Saúde pediu a suspensão de orientações para o uso de medicação precoce com cloroquina e hidroxicloroquina ao Ministério da Saúde.
Por fim, a DPU quer que a entidade seja condenada a indenizar em R$ 50 mil os familiares que tiveram parentes que receberam esses produtos em vez de terem o ao tratamento adequado, vindo a falecer. E as pessoas que sobreviveram, mas desenvolveram sequelas ou tiveram o quadro de saúde piorado, recebam R$ 10 mil cada. A Defensoria pede, aliás, que o CFM banque o eventual tratamento que essas pessoas necessitem.
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'O CFM serviu de esteio científico ao negacionismo'
Na avaliação de João Paulo Dorini, defensor regional dos direitos humanos em São Paulo e que assina a ação civil pública, mais do que omissão, houve ação deliberada diante da ineficácia da cloroquina e da hidroxicloroquina. Isso, segundo ele, faz com que o CFM tenha uma parcela de responsabilidade pelo "morticínio causado pela pandemia".
"O Conselho Federal de Medicina serviu de esteio técnico e científico ao negacionismo. Na prática, ele segue referendando o tratamento até agora", afirmou Dorini à coluna.
"Isso acabou por estimular duas situações: primeiro, há médicos que se sentem à vontade de fazer uso desses medicamentos em seus pacientes e, consequentemente, pacientes que ficam tranquilos em usar. E, segundo, isso gera a falsa percepção de que as pessoas não precisam adotar medidas de prevenção porque são desnecessárias, uma vez que haveria um remédio rápido e barato para o problema", avalia.
Para ele, isso ajudou o governo federal a fomentar medidas para inviabilizar o distanciamento e o isolamento social, consideradas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como fundamentais para combater a pandemia.
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A ação, que corre na 22ª Vara Federal Cível de São Paulo, considera que várias pessoas e entidades foram responsável pelo Brasil ter alcançado a marca de quase 600 mil mortes por covid-19, dentre elas, o CFM. Ele contribuiu, segundo a DPU, para espalhar por todo o Brasil o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina como tratamentos viáveis contra a covid-19.
O defensor regional dos direitos humanos em São Paulo afirma que esse e ficou claro no discurso de Jair Bolsonaro na abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas, no mês ado, em Nova York.
"Desde o início da pandemia, apoiamos a autonomia do médico na busca do tratamento precoce, seguindo recomendação do nosso Conselho Federal de Medicina", disse o presidente diante das câmeras de todo o mundo.
"Eu mesmo fui um desses que fez tratamento inicial. Respeitamos a relação médico-paciente na decisão da medicação a ser utilizada e no seu uso off-label. Não entendemos porque muitos países, juntamente com grande parte da mídia, se colocaram contra o tratamento inicial. A história e a ciência saberão responsabilizar a todos", completou.
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De acordo com a DPU, em sua ação civil pública, a história e a ciência já sabem quem devem responsabilizar: "Longe da ciência, o CFM infelizmente trilha o caminho ideológico de dar e a um governo que teve a pior condução do enfrentamento da pandemia, que trabalhou pela frustração das medidas de restrição de circulação, que buscou a "imunidade de rebanho" ao custo de centenas de milhares de vidas, que não implementou política de rastreamento de infectados e que continua a não estimular a vacinação e a adoção de medidas de prevenção", afirma.
A Defensoria também defende que "a autonomia médica não se confunde com a possibilidade de utilização de qualquer tratamento", mas deve ser norteada pelas informações disponível e pelo mal que pode causar ao paciente. Para ela, há muito a cloroquina é apontada como comprovadamente ineficaz, podendo trazer danos à saúde de pacientes com covid.