Aos 20 anos, Gilmar Tupã re sapy Chamrro foi o primeiro Avá Guarani da família de sete a ingressar no Ensino Superior. Em 2019, após a publicação de um edital pela Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila), ele foi selecionado por meio do histórico escolar, e não por um vestibular comum. A vitória foi ainda compartilhada por outros cerca de 10 indígenas da mesma comunidade. O modelo de processo seletivo, antes esporádico, agora foi regulamentado por meio de uma resolução aprovada na terça-feira, dia 27.
Estima-se que a iniciativa deve permitir que anualmente a universidade tenha 200 estudantes vindos de comunidades indígenas. A medida é considerada histórica e pode reparar a diferença entre a representatividade de estudantes conforme o percentual da população.
Professor Clovis Antonio Brighenti, historiador e pesquisador sobre história indígena na Unila, fez parte da comissão que elaborou a resolução. Segundo ele, em uma década, a Unila teve pouco mais de 200 estudantes indígenas: menos de 20 por ano em uma universidade voltada para América Latina – em que 8% da população é autodeclarada indígena. Com a mudança, até oito indígenas poderão ingressar em cada turma, somando cerca de 200 por ano. “Agora temos a possibilidade de ter um número de vagas compatível com essa proporção de indígenas na América Latina”, defende o professor.
A medida vale tanto para indígenas brasileiros quanto para os que vivem em outros países do continente e leva em consideração o aspecto cultural desses povos.
Clovis aponta que dentro dessas cultura a visão de Estado-nação, imposta a partir do século 19, adentrou nas comunidades, mas não pertence a elas, já que a organização indígena tem a ver com seu aspecto cultural. "Os indígenas tiveram e foram forçados a se moldar a esses Estados, adotando nacionalismos. Então essa ideia de tratar os indígenas com uma categoria supranacional supera esses nacionalismos a partir dos Estados-nacionais e dialoga com as perspectivas dos Estados plurinacionais, como a Bolívia, que reconheceu a presença de todos os povos indígenas […] Com a proposta da Unila, superado, considerando os indígenas como indígenas."
Respeito à educação
Outro fator, de acordo com Clovis, é o de reconhecer e respeitar a educação indígena. Hoje, algumas universidades brasileiras oferecem vestibulares específicos para as comunidades, enquanto outras adotam a prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).
No segundo formato, parte dos saberes indígenas ficam de fora e o preparo obtido nas comunidades, muitas vezes, torna-se incompatível com o que é ensinado nas escolas não indígenas, em que é enfatizado o estudo em cursinhos pré-vestibulares e "terceirões" voltados para a prova que dará ingresso à universidade.
Gilmar, que entrou pelo modelo de análise do histórico escolar, disse que não se trata de uma incapacidade indígena, mas de permitir uma equidade de o aos povos, respeitando sua cultura. “Sabemos que pelo Enem é mais difícil. Não porque o indígena não tenha capacidade, mas pela dificuldade que é concorrer com outros não indígenas, mesmo pelas cotas. Pelo histórico escolar, como a Unila, acho mais viável e isso faz com que tenhamos mais chance de entrar em uma universidade de ensino superior”, aponta Gilmar, que estuda Licenciatura em Geografia e faz parte da monitoria para indígenas na Unila, mantendo contato com outros indígenas.
Além disso, a integração de mais indígenas permitirá um intercâmbio cultural entre estudantes e servirá de exemplo e modelo para que, dentro das comunidades, mais indígenas busquem ensino superior.